Mais de 6,8 Mil Trabalhadores são demitidos por dia útil no Brasil

31 de março de 2016 - 17:24 - 1.318 views

Nos últimos 12 meses (mar15 – fev16), 1.706.695 pessoas perderam seus empregos com carteira assinada no Brasil. Na realidade, foram 18.556.602 os que perderam o emprego. Mas, como outros 16.849.907 ingressaram no mercado formal no mesmo período, o saldo final é de 1,707 milhão de trabalhadores que deixaram de ter carteira assinada.

Se considerarmos que, nesse período, tivemos 252 dias úteis (excluo aqui os sábados e domingos), vemos que 6.776 trabalhadores foram demitidos por dia útil. Ou, 282 por hora (6.776 / 24 horas).

Para termos ideia:

– A Hering possui 7.548 trabalhadores, equivale a fechar uma Hering a cada 1 dia e 3 horas.

– O Bradesco possui 93.902 trabalhadores, equivale a fechar um Bradesco a cada 14 dias.

Se separarmos por setor, vemos que a construção civil fechou 1.609 empregos por dia útil; o comércio, 882 postos de trabalho; e o setor de serviços, 1.446 vagas. Apenas o setor agropecuário contratou, mas foram míseros 41 trabalhadores por dia.

O que pretendo debater aqui: esses dados, o histórico desses números, como chegamos até aqui e se temos alguma esperança de mudança. Uma pergunta que sempre me faço: será que já chegamos ao fundo do poço? Ou o pior ainda está por vir? Eu acho, infelizmente, que ainda pode piorar… Muitos desses trabalhadores que perderam a carteira assinada estão partindo para um negócio próprio. Mas esse é o momento? Com a economia tão ruim, como ter um negócio diferenciado e bem-sucedido? Não é o meu foco de discussão aqui, mas tenho medo de que empreendedorismo demais não leve a lugar algum.

Introdução sobre as fontes dos dados utilizados neste texto

Dados: disponibilizados no site do IBGE, que é o responsável pela divulgação desses números.

Desemprego: vou considerar o efeito sazonal, para ter um padrão único no texto.

Padrão sazonal: geralmente o desemprego cai em dezembro, porque as pessoas conseguem trabalhos temporários, ou não procuram emprego nessa época festiva. O IBGE trata os meses de dezembro e fevereiro de maneira diferente dos demais meses do ano. E vou considerar esse modo diferente de cálculo.

Carteira assinada: dados calculados pelo IBGE, com abrangência nacional.

Pesquisa Mensal de Emprego (PME): calculada pelo IBGE apenas para seis cidades – Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar): divulga dados dos planos de saúde.

Alguns números sobre a variação de pessoas com carteira assinada:

Entre março de 2015 e fevereiro de 2016, tivemos um saldo negativo de 1.706.695 de postos de trabalho.

Especificamente em 2015 (jan-dez), tivemos perda de 1.552.953 vagas no setor formal.

Causa de todos esses números ruins

Condução equivocada da política econômica nos últimos 4 anos:

  1. Usar os preços administrados como política de combate à inflação, aumentando ou diminuindo os preços ao bel-prazer e não de acordo com as necessidades das empresas (lembrar do setor elétrico, cujas tarifas o governo derrubou na canetada!);
  2. Gastar muito mais do que arrecada;
  3. Não fazer reforma da Previdência, que gera um enorme prejuízo para os cofres públicos;
  4. Colocar um ministro da Fazenda (Joaquim Levy) que não tinha apoio nem da Presidência da República;
  5. Briga eterna com o Congresso, não conseguindo aprovar medidas importantes para economia;
  6. Tentativa de aumentar a arrecadação via aumento de impostos e não via aumento da produção. Essa decisão é inflacionária.

Lava Jato impactando demais o setor de extração mineral.

E, no ambiente externo, podemos destacar: queda nos preços das commodities no mundo e um menor ritmo de crescimento chinês.

Uma coisa devemos ter em mente: o Poder Executivo pode ser o maior culpado pela situação atual, mas não é o único. O boicote do Congresso ao governo também está atrapalhando demais a evolução da economia. Simplesmente a Câmara e o Senado estão parados há 1 ano, em uma luta interminável com o Poder Executivo. Não podemos paralisar o País por causa de ideais políticos, isso é inadmissível! Já que o governo não tinha ideias boas, por que o Congresso não propôs novas medidas para implementar mudanças na economia? Será um boicote proposital, na linha do “quanto pior, melhor”? Para se pensar

Continuo dizendo que o maior erro foi por parte do Executivo. Mas não podemos passar a mão na cabeça do Legislativo, que também tem sua responsabilidade pela crise.

População doente não produz!

Aqui vou utilizar o ano de 2015 como base, porque o último dado divulgado pela ANS sobre planos de saúde é de dezembro de 2015.

Todos nós sabemos que a rede pública de saúde tem muitas falhas e deficiências, como falta de material e de profissionais qualificados e uma fila de espera eterna. Eu conheço uma pessoa que, depois de fazer um exame de sangue, demorou seis meses para conseguir marcar uma consulta. O exame já perdeu todo o sentido. Resumindo, o nosso serviço público de saúde é ruim demais. Por isso, parte considerável da população tem planos de saúde privados. O que chama a atenção é que dados divulgados pela ANS mostram que, no ano passado, 766.031 pessoas cancelaram ou perderam os seus planos de saúde. Esse número é divulgado desde 2005 e é a primeira vez que temos queda na quantidade de usuários de planos de saúde, considerando como base de comparação os dados do ano anterior. Em dezembro de 2015, tínhamos 49.730.405 pessoas com plano de saúde. No mesmo mês do ano anterior, eram 50.496.436. Essa notícia é péssima! Péssima, porque temos mais de 700 mil pessoas que perderam os planos de saúde. E população doente produz menos. Onde essas pessoas vão parar? Em clínicas de baixo custo, com tratamentos de qualidade duvidosa? Vão gastar o dinheiro da poupança para algum tratamento médico? Ou vão parar no Sistema Único de Saúde (SUS)? Se a maior parte for para o SUS, o setor vai ficar ainda mais sobrecarregado.

Vamos olhar esses dados com carinho (vou dividir por faixa etária):

– Pelos cálculos da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, em 2015, tínhamos 1.733.000 pessoas desocupadas nas seis capitais pesquisadas e um total de 9.087.000 de pessoas desempregadas em todo o País – essa discrepância ocorre devido a critérios diferentes de contagem de desempregados e abrangência territorial diferente. Vou juntar esses números com a evolução da quantidade de usuários de planos de saúde, com alguns destaques. Devido aos critérios de pesquisa usados pelo IBGE, vou considerar os dados somente das 6 cidades – tenho consciência de que não é a forma ideal de estudo, mas é o que tenho em mãos.

  1. Entre 18 e 24 anos: em 2015, tivemos um aumento de 171.000 pessoas desocupadas, passando de 345.000 para 516.000 trabalhadores. Nessa mesma faixa etária, no mesmo período, 200.027 perderam seus planos de saúde. Comparando os dois números, vemos que a quantidade de pessoas que perderam os planos de saúde é maior que o grupo de trabalhadores que perderam seus empregos. São 29.027 a mais. O que podemos concluir? Que a família passou a sentir as dificuldades econômicas, muitos pais que pagavam plano de saúde para os filhos perderam o emprego e, com isso, tiveram que cortar várias despesas.
  2. Entre 25 e 49 anos: no ano passado, 370.000 pessoas perderam o emprego. O número de desocupados passou de 565.000, em dezembro de 2014, para 935.000, em dezembro de 2015. Nesse grupo, nesse mesmo período, 426.796 pessoas perderam os seus planos de saúde. Aqui nesta faixa etária, está a grande massa trabalhadora e isso é muito preocupante, pois temos o desemprego aumentando, ao mesmo tempo em que diminui o número de usuários de planos de saúde particular e, como disse anteriormente, população sem saúde produz menos. Esse dado, apesar de ainda ser um número baixo, deveria alarmar os governantes.
  3. Mais de 50 anos: em 2015, o número de desocupados nesta faixa etária passou de 98.000 para 189.000, um aumento de 91.000 pessoas. Aqui tivemos um crescimento de 41.606 de usuários de planos de saúde. O principal motivo é que essa população está mais estabilizada financeiramente e sente menos o desemprego. Para analisar os dados de planos de saúde neste grupo, considerei pessoas com idade entre 50 e 65 anos.

Portanto, olhando para todos esses números, vemos que a população está perdendo o emprego e boa parte está perdendo também o seu plano de saúde. Se ficar doente, bem-vindo ao SUS!

Grau de escolaridade (considero aqui até fevereiro de 2016)

O IBGE divide a população de desocupados em 3 grupos: quem estudou por até 8 anos, quem estudou de 8 a 10 anos; e aqueles que tiveram mais de 11 anos de estudo.

Se pegarmos a variação de pessoas desocupadas de dezembro de 2014 a fevereiro de 2016, teremos os seguintes cenários.

– Até 8 anos de escolaridade: número de desocupados passou de 145.000 para 275.000, uma variação de 90%.

– Entre 8 e 10 anos de escolaridade: número de desocupados passou de 239.000 para 441.000, uma variação de 85%.

– Mais de 11 anos de escolaridade: número de desocupados passou de 690.000 para 1.299.000, uma variação de 88%.

Portanto, temos uma variação muito parecida entre os diferentes níveis de escolaridade.

Porém, se ampliarmos essa base de dados até o começo do governo Dilma, em 2011, percebemos que essa estatística muda bastante, com as seguintes variações:

– Até 8 anos de escolaridade: o número de desocupados passou de 238.000 para 275.000, uma variação de 16%.

– Entre 8 e 10 anos de escolaridade: o número de desocupados passou de 315.000 para 441.000, uma variação de 40%.

– Mais de 11 anos de escolaridade: o número de desocupados passou de 725.000 para 1.299.000, uma variação de 79%.

Considerando essa base de dados mais ampla, vemos que quem mais sofreu foram os que mais estudaram. Por que será? Você, leitor, deve saber tanto quanto eu que a economia vai de mal a pior e que pessoas com maiores salários (geralmente com maior grau de instrução) são as que mais estão sentindo as consequências dessa crise, já que ganham mais, são mais caras para as empresas, e, se demitidas, geram uma redução de custo maior. Além disso, nos últimos anos, as pessoas passaram a estudar mais e, com isso, mudaram de grupo na estatística.

Rendimento Médio Real do Trabalhador

Em fevereiro de 2016, foi de R$ 2.227,50. No mês de janeiro, tinha sido de R$ 2.262,51. Se analisarmos historicamente, vamos perceber que temos hoje valor parecido com o de novembro de 2011, quando o rendimento médio real do trabalhador brasileiro era de R$ 2.223,11. Portanto, o poder de compra da população também está diminuindo.

Olha que círculo vicioso:

Perco o emprego => Consumo menos => Empresário vende menos => Demite para manter a empresa.

Continuo empregado => Perco poder de compra => Compro menos => Empresário vende menos => Demite para manter a empresa.

Estamos em uma espiral negativa bem preocupante. E, para piorar, o consumo das famílias representa 60% do PIB. Ou seja, se esse consumo vai mal…

FIES e o futuro.

Só um detalhe sobre emprego e estudo. Eu sou completamente a favor do FIES, o Fundo de Financiamento Estudantil. Acho que é uma forma de colocar a população para estudar. Só que, na minha opinião, a maneira como esse financiamento é feito hoje não ajuda em nada ou melhora muito pouco. Como eu pensaria o FIES? Primeiro, imaginaria o Brasil daqui a 10 ou 20 anos. De que profissionais precisamos para o País crescer? De pessoal para a área médica? De educadores? Veterinários? Acho que ninguém falaria em veterinários. Portanto, não faz nenhum sentido termos FIES para estudantes de Veterinária. Desculpe, mas esse tipo de incentivo não muda o futuro do Brasil. Temos que ter um FIES para financiar a formação das pessoas que vão ajudar a construir o Brasil do futuro. Precisamos de educação e saúde, é claro, mas não somente desses dois. Por que não pensar no Brasil como líder do setor automobilístico? Nesse caso, precisaríamos de muitos técnicos e engenheiros. Vamos colocar FIES para essas pessoas (aqui uma abrangência para o FIES em ensino técnico).

Sei que é uma proposta polêmica, mas é, na minha opinião, a mais honesta para o futuro dos meus filhos.

Conclusão

No decorrer deste texto, acabei escrevendo sobre alguns temas diferentes. Na verdade, quis mostrar que, com o aumento do desemprego, estamos tendo uma diminuição de pessoas com planos de saúde privados. Além disso, pessoas com maior grau de instrução estão sentido mais esse desemprego, pelo fato de a economia estar demitindo pessoas mais caras e também por essas pessoas terem mudado de patamar de escolaridade na estatística no decorrer dos últimos anos, já que cada vez mais gente está tendo acesso à universidade.

E o consumo familiar ainda é a base da economia brasileira. Se esse consumo retrai, a economia perde a força.

Nas próximas semanas, vou escrever um artigo detalhando um pouco mais esses números do FIES e o futuro.

Fonte: O Estadão.